quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Eu sou um lixeiro

         Eu adorava ir à escola quando estava no jardim de infância, porque a tia pedia pra gente fazer um desenho bem bonito, mas não era obrigado a fazer se não quisesse e se a tia gostasse do desenho ela escrevia um elogio e colava uma estrelinha pra gente mostrar pra mamãe, quando eu entrei pra primeira série tudo mudou, não tinha mais estrelinha, a tia não pedia mais pra gente fazer desenhos, agora a gente tinha que decorar nomes e números e tinha que copiar coisas do quadro negro.
        Até hoje lembro da primeira prova de "interpretação de texto" que fiz. A prova tinha um texto que era um trecho de algum livro e em baixo tinha perguntas sobre o texto, mas não eram perguntas que levavam à pensar sobre o que falava o texto, eram perguntas irrelevantes para que a gente tivesse que copiar um trecho do texto, então pensei: Mas que idiota! Pra que que eu tenho que copiar um trecho desse texto sendo que já tá escrito lá?! Eles querem me transformar num papagaio?! Não quero fazer isso não, isso é chato, é paia, eu sou gente! Então é só pra isso que serve a escola? Decorar, decorar e copiar e copiar? Quero falar o que eu penso! Quero dar minha opinião sobre o que eu achei desse texto! Então ignorei as perguntas idiotas e escrevi o que eu pensava.
        Recebi minha prova toda riscada de caneta vermelha e uma nota próxima de 0. Meus pais não ficaram nada satisfeitos, me deram um baita sermão e lembro que o meu padrasto me disse algo assim: "Desse jeito você vai virar lixeiro!"
        Qual é o problema com os lixeiros? Eles são seres humanos menos dignos que os médicos? Se eu virar lixeiro não vou mais merecer ser amado por ninguém? Se não houvessem lixeiros as ruas iriam ficar entupidas de lixo, a vida iria ficar muito mais difícil e tem gente que xinga os lixeiros e grita "Ô cheiroso!". O cara tá lá, trabalhando dignamente, retirando a merda do lixo que você produz e que iria ficar acumulado nas calçadas, fedendo e contaminando as ruas e você ofende esse cara e trata com o maior desprezo, simplesmente porque ele é mal remunerado? Então é assim? O que importa é só isso? O salário que você ganha? Se os lixeiros ganhassem 5000 reais por mês, tenho certeza que teria um monte de gente fazendo cursinho pra prestar concurso público pra lixeiro, não porque se importam com a limpeza pública, eles seriam péssimos lixeiros, deixariam  o lixo cair do caminhão e se alguém reclamasse, eles dariam uma resposta do tipo: "Sabe com quem você está falando?!" E  os lixeiros teriam entrada vip nas festas e as mulheres iriam sonhar em se casar com um lixeiro.
       À partir desse momento resolvi que não iria me submeter, disse pra mim mesmo: Então agora eu sou um lixeiro!
        Entendi que a escola servia apenas para adestrar as pessoas, resolvi que eu não iria copiar nada, que eu não era uma máquina de xerox, que eu iria pensar por mim mesmo e arcar com as conseqüências. Tornei-me um "garoto problema", me diagnosticaram como hiper-ativo e dislexo. Tinha certeza que seria excluído da sociedade e pior, que seria tratado como um subversivo, sabia que a escola faria de tudo para me punir, seja com notas vermelhas, advertências, perseguições por parte dos professores, violência dos outros colegas por eu não ser como eles e foi exatamente isso que aconteceu, fui "convidado a me retirar” de várias escolas, Anglo, Objetivo, Mondragon, Messias, Nacional, repeti de ano 5 vezes, até que no terceiro colegial resolvi fazer um supletivo para acabar logo com aquilo.
        Ter passado por isso abalou minha auto-estima, porque quando a violência não vinha por parte da escola, vinha por parte do meu padrasto, que além de não gostar de mim por ciúmes da minha mãe, não aceitava que eu fosse "mau aluno", porque para ele, a única coisa que tinha valor na vida era arranjar um emprego com salário alto, e na cabeça dele só se arranjava um emprego com salário alto tirando notas boas, já que ele era devotado aos concursos públicos.
        Quase me convenceram de que eu era burro, doente, incapaz, de que eu nunca seria "alguém da vida", mas no fundo eu sempre soube que não era verdade, desde que eu descobri o Pink Floyd, na oitava série . Quando ouvi o The Wall pela primeira vez, me identifiquei profundamente com o Roger Waters, agora eu não era mais só um lixeiro, eu era também o Rogers Waters e ele também era um llixeiro, foi  assim que me tornei um Punk.

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