Eu adorava ir à
escola quando estava no jardim de infância, porque a tia pedia pra gente fazer um desenho bem bonito, mas não era obrigado a fazer se não quisesse e se
a tia gostasse do desenho ela escrevia um elogio e colava uma estrelinha pra
gente mostrar pra mamãe, quando eu entrei pra primeira série tudo mudou, não
tinha mais estrelinha, a tia não pedia mais pra gente fazer desenhos, agora a
gente tinha que decorar nomes e números e tinha que copiar coisas do quadro
negro.
Até
hoje lembro da primeira prova de "interpretação de texto" que fiz. A
prova tinha um texto que era um trecho de algum livro e em baixo tinha
perguntas sobre o texto, mas não eram perguntas que levavam à pensar sobre o
que falava o texto, eram perguntas irrelevantes para que a gente tivesse que
copiar um trecho do texto, então pensei: Mas que idiota! Pra que que eu
tenho que copiar um trecho desse texto sendo que já tá escrito lá?! Eles
querem me transformar num papagaio?! Não quero fazer isso não, isso é chato, é
paia, eu sou gente! Então é só pra isso que serve a escola? Decorar, decorar e
copiar e copiar? Quero falar o que eu penso! Quero dar minha opinião sobre o
que eu achei desse texto! Então ignorei as perguntas idiotas e escrevi o que eu
pensava.
Recebi
minha prova toda riscada de caneta vermelha e uma nota próxima de 0. Meus pais
não ficaram nada satisfeitos, me deram um baita sermão e lembro que o meu
padrasto me disse algo assim: "Desse jeito você vai virar lixeiro!"
Qual
é o problema com os lixeiros? Eles são seres humanos menos dignos que os
médicos? Se eu virar lixeiro não vou mais merecer ser amado por ninguém? Se não
houvessem lixeiros as ruas iriam ficar entupidas de lixo, a vida iria ficar
muito mais difícil e tem gente que xinga os lixeiros e grita "Ô
cheiroso!". O cara tá lá, trabalhando dignamente, retirando a merda do
lixo que você produz e que iria ficar acumulado nas calçadas, fedendo e
contaminando as ruas e você ofende esse cara e trata com o maior desprezo,
simplesmente porque ele é mal remunerado? Então é assim? O que importa é só
isso? O salário que você ganha? Se os lixeiros ganhassem 5000 reais por mês,
tenho certeza que teria um monte de gente fazendo cursinho pra prestar concurso
público pra lixeiro, não porque se importam com a limpeza pública, eles seriam
péssimos lixeiros, deixariam o lixo cair do caminhão e se alguém
reclamasse, eles dariam uma resposta do tipo: "Sabe com quem você está
falando?!" E os lixeiros teriam entrada vip nas festas e as mulheres
iriam sonhar em se casar com um lixeiro.
À partir
desse momento resolvi que não iria me submeter, disse pra mim mesmo: Então
agora eu sou um lixeiro!
Entendi
que a escola servia apenas para adestrar as pessoas, resolvi que eu não iria
copiar nada, que eu não era uma máquina de xerox, que eu iria pensar por mim
mesmo e arcar com as conseqüências. Tornei-me um "garoto problema",
me diagnosticaram como hiper-ativo e dislexo. Tinha certeza que seria excluído
da sociedade e pior, que seria tratado como um subversivo, sabia que a escola
faria de tudo para me punir, seja com notas vermelhas, advertências,
perseguições por parte dos professores, violência dos outros colegas por eu não
ser como eles e foi exatamente isso que aconteceu, fui "convidado a me
retirar” de várias escolas, Anglo, Objetivo, Mondragon, Messias, Nacional,
repeti de ano 5 vezes, até que no terceiro colegial resolvi fazer um supletivo
para acabar logo com aquilo.
Ter passado por isso
abalou minha auto-estima, porque quando a violência não vinha por parte da
escola, vinha por parte do meu padrasto, que além de não gostar de mim por ciúmes
da minha mãe, não aceitava que eu fosse "mau aluno", porque para ele,
a única coisa que tinha valor na vida era arranjar um emprego com salário alto,
e na cabeça dele só se arranjava um emprego com salário alto tirando notas boas, já que ele
era devotado aos concursos públicos.
Quase me convenceram
de que eu era burro, doente, incapaz, de que eu nunca seria "alguém da
vida", mas no fundo eu sempre soube que não era verdade, desde que eu
descobri o Pink Floyd, na oitava série . Quando ouvi o The Wall pela
primeira vez, me identifiquei profundamente com o Roger Waters, agora eu não era mais só um
lixeiro, eu era também o Rogers Waters e ele também era um llixeiro, foi
assim que me tornei um Punk.